domingo, 8 de março de 2009

Pq vc chora...? {continuação}

- Mãããe... Chegueeei! – disse a menina eufórica, largando a mochila no sofá e deixando seu pai pra trás, ainda no carro.

- Oi meu amor, e como foi o colégio?

- Chato! Agora me conta aquela história.

- Deixarei para contar quando for dormir. Agora seja apenas você.

- Mas eu quero saber mãe!

- Amor, deixe que lhe conte como uma verdadeira história... Quando for dormir, ok?

- Ok, ok... – resmungou.

O dia demorou a passar na visão da menina, sua mãe estava ausente, como se um filme passasse em sua cabeça durante todo o dia, porém não desabrochou o sorriso de sempre que carregava.

- Agora está de noite, me conta?

- Antes vá escovar os dentes, te espero aqui. – disse sentada em uma cadeira ao lado da cama de sua filha. Novamente pegando o objeto que guardara naquela caixinha de fósforo desgastada pelo tempo.

A filha foi correndo e voltou correndo, sem demora. Ansiosa pela história que a aguardava.

- Agora conta mãe! – disse sorrindo.

- Ambos tinham muito em comum, sempre tinham assunto um com o outro. Mas o que tinham de comum também tinham de diferentes.

- Como assim mãe?

- O menino era um rapaz maluco e se forçava a ser irresponsável. Ela, apesar de ser sempre alegre aparentemente, era muito responsável e madura. Mas o que os tornava oposto, ao invés de afastá-los, os aproximava, pois ela era a responsabilidade que faltava nele, e ele, era a irresponsabilidade que faltava nela.

- Mas mãe, ser irresponsável não é ruim?

- As vezes devemos fazer o que o nosso coração manda. E muitas vezes segui-lo se torna algo irresponsável. Mas eu prefiro você responsável hein. – disse sorrindo.

- Sim, sim mãe.

- Então o menino passou a mudar, se controlar nas doideiras, ser mais responsável, ele amadureceu por ela. E ela, continuou a menina de sempre. Ela lhe contava quando estava triste, e quando estava feliz, mas com o tempo ela nem precisava falar. Ele enxergava quando ela estava triste, mesmo com o sorriso mais belo estampado largamente em seu rosto. E vice versa.

- Eles ficaram juntos mãe?

- Você acredita em Deus filha?

- Sim, claro que acredito mãe. É pra ele que a senhora me ensinou a rezar todas as noite.

- E você acredita em anjos?

- Sim, sim. Eles são lindos né mãe! Eu queria ser um anjo. – disse sorrindo e sentando na cama de tanta empolgação.

- Eu não...

A menina murchou, e ficou sem entender, com os olhos esbugalhados olhando pra mãe descrente do que acabara de ouvir. A mãe, com seus olhos caídos no objeto em suas mãos, prosseguiu.

- A história realmente começa aqui. – disse, tirando os olhos do objeto e olhando nos olhos de sua filha - A menina, começou a sentir algo pelo rapaz que tanto se parecia e que era completamente o oposto a ela. Nisso, ela começou a ter sonhos, sonhos tão vívidos, que ela passou a acreditar neles.

- Que sonhos mamãe?

- Ela passou a sonhar com sua vida passada.

- Vida passada? – repetiu sem entender.

- Sim meu amor, já vivemos outras vidas, porém não recordamos. Para vivermos essa vida, sem basear no passado.

- Então ela sonhou que eles se amavam desde antes mãe? – disse esperançosa.

- Mais ou menos. Ela não era humana em uma vida passada.

- Ela era o que mamãe?

- Ela foi um anjo.

- Uaaaalll, um anjo! Que lindo! - disse a menina com os olhos brilhantes.

- Ela no início também achou. Nos primeiros sonhos, ela se via voando, em um céu limpo, e nada mais existia além do lugar lindo onde se encontrava.

- Ela tinha sido um anjo da guarda mãe?

- Não meu amor, ela estava acima deles, muito acima. O único ‘chefe’ dela, era o próprio Deus.

- Nossa mãe, então ela era incrível né!

- Sim amor, ela era incrível. Ela no início, queria dormir sempre que podia, para ter esse sonho, que afinal, se tornou constante, e ela sempre recordava quando acordava, como se estivesse nele no atual momento. Mas depois, ela passou a evitar sonhar...

- Por que mamãe? Com um sonho desses eu não iria querer acordar nunca.

- Ela aos poucos foi vendo o seu passado. O seu verdadeiro passado, não só a parte de voar livremente, como um pássaro sem ninho. Ela tinha amigos, ou melhor, subordinados anjos. Que lhe mostraram o que ela foi e como foi a sua vida como um anjo.

- Subor.. o que mãe?

- Subordinados, os que seguem ordens meu amor.

- Anjos também tem chefes? – disse assustada.

- Sim amor, cada um tem uma classificação e um que fica como chefe, ao qual os outros devem obedecer.

- Não sabia...

- Continuando, ela lembrou o que era e o que a motivou a ser humana na outra vida.

- E o que foi mãe?

- Outro anjo.

- Como um anjo motiva outro a ser humano? – perguntou confusa.

- Esse outro anjo, era um anjo da guarda. Ele cuidava dos seres humanos. E de certa forma se apaixonou pela forma do ser humano ser.

- Ele se apaixonou por alguma humana mamãe? – perguntou ofuscante de alegria.

- Não docinho, ele se apaixonou pela forma com que o ser humano se apaixona, esse sentimento não existe dentre os anjos.

- Os anjos não se apaixonam mãe? – perguntou triste.

- É incomum para eles, eles não conhecem esse sentimento. Os que conhecem, tratam como uma doença. O amor te enfraquece, um soldado não pode ser fraco não é?

- Soldado?

- Sim, soldados do Senhor. Anjos são como guerreiros, e não podem ter pontos fracos, e o amor torna qualquer imortal, mortal.

- Como mãe?

- Você suportaria qualquer dor do mundo, porém se você amar, você jamais suportaria o mínimo de dor para a pessoa amada, fazendo qualquer coisa para impedir isso. Isso o torna fraco.

- Então eu não devo amar?

- Meu amor, você não é um anjo, e mesmo que fosse. Amar é a coisa mais linda do mundo, por isso muitos a invejam, ame sim filha, ame.

A menina sorriu e sua mãe prosseguiu – Esse anjo da guarda, que estava louco para sentir o que os humanos descreviam perfeitamente como o amor, começou a senti-lo. Mas não por uma humana, e sim por outro anjo.

- Que lindo mãe!

- Não filha, isso se tornou a desgraça dele.

- Por que? – disse triste.

- Esse Anjo a notava ao longe, como eram de classes bem diferentes, pouco se viam. Porém sempre que a via, seu coração de anjo respondia, a mesma sensação que os humanos descreviam, acelerado, quente, forte, como se fosse saltar de seu peito. Uma força o impulsionava a falar com ela, a mostrar pra ela essa sensação, falar que era insuportável não saber quando será a próxima vez que a veria. Porém ela nada entenderia, e sequer lhe dirigia a palavra. Não tinham contato.

- E o que o anjo fez mamãe?

- O Anjo da guarda foi aconselhado por outro anjo a não sentir isso, e lutar contra essa ‘doença’. Pois seria a sua ruína.

- E o que ele fez?

- Quando amamos, nada mais importa. E isso ele sentiu. Correu para o Anjo que lhe roubara o fôlego, e lhe pediu um tempo. Como uma boa anjinha, ela lhe concedeu esse tempo, e com calma e paciência, ouviu tudo que ele lhe queria dizer.

- Ele se declarou mamãe?

- Primeiro ele lhe contou sobre os humanos, e como eles eram seres incríveis. E tudo que eles podiam fazer, devido ao livre arbítrio, coisa que os anjos não possuem.

- Mas por que ele lhe contou dos humanos, ela não é um anjo? Ela sabe!

- Não meu amor, como eu disse, ela não tinha contato com a nossa raça. Ela só ouvia falar. E como o anjo da guarda, ela se admirou com tudo que ele lhe contou sobre os humanos. E sempre que podia ele lhe contava mais. Até que ele se declarou para ela. Ela, como não sabia o que era sentimento, não poderia retribuir aquilo. O anjo da guarda ficou triste, muito triste por seu amor, nem ao menos saber o que era esse sentimento maravilhoso e ao mesmo tempo destruidor. Outros anjos souberam do amor que esse anjo nutria, e queriam lhe expulsar do céu.

- Mas pra onde o anjo iria mamãe?

- O ameaçaram, falaram para ele se livrar da doença se quisesse permanecer no céu, se viesse para a terra, iriam persegui-lo e matá-lo tantas vezes fosse para que se curasse da doença e pudesse voltar para o céu.

- E o que o anjo fez? – perguntou a menina com uma lágrima escorrendo de sua face.

- Só teria uma opção, se não poderia ficar nem no céu, e nem na terra, iria para o inferno.

- O inferno mamãe? – disse a menina chocada, caindo aos prantos e cobrindo os olhos com as pequenas mãos.

- Sim amor, ele foi pro inferno. Mas antes, ele reencontrou com a anjinha que permitiu que o sentimento nascesse nele, e lhe contou tudo, a ameaça, a sua decisão, e o seu amor eterno para com ela. Ela sem entender, argumentou todas as coisas que poderia, não queria perder um anjo para o inferno, e de certa forma, não queria perder esse determinado anjo.

- Ela foi com ele mamãe?

- Não, ela não trocaria o céu pelo inferno sem ao menos saber o por que. Ele lhe deu um beijo cheio de sentimentos, para ela foi um contato sem sentido, e estranho, porém quente.

- Ele a beijou mamãe?

- Sim, mas foi o selinho. Não aqueles beijos de novela.

- Que fofo mãe.

- Após isso, ele foi para o inferno. Um dos habitantes do inferno o havia oferecido um ‘lugar bom por lá’ se ele decidisse se juntar a eles, um mundo sem lei. E assim foi. Permaneceu no inferno por anos, ninguém sabe ao certo quanto tempo, pois o tempo lá é diferente do nosso.

- No inferno mãe?

- Tanto no céu, quanto no inferno.

- E o que aconteceu com a anjinha?

- Ela quis saber o que motivaria um anjo a largar tudo aquilo, por uma coisa chamada ‘amor’, ela achava isso absurdo demais, e queria entender melhor. Então, ela cometeu o primeiro delito, se aproximou dos humanos.

- É proibido mamãe?

- Ela era totalmente pura, uma ‘boneca’ perfeita, não tinha falhas, nem defeitos, coisas que os seres humanos tem de sobra. Para não se ‘contaminar’ era proibida de se aproximar.

- E eles a proibiram mamãe? A expulsaram também?

- Não, como ela era uma classe muito superior, somente Deus poderia impedi-la, porém ele nada fez.

- Ele não sabia que ela fazia isso?

- Sabia, ele sempre sabe de tudo, porém nada fez para impedir. Seus subordinados, como sempre andavam por perto, especialmente um, sempre ficava perto dela quando ela fazia essas loucuras de estudar os humanos.

- E o que aconteceu?

- Ela, como o anjo da guarda, se apaixonou pela forma como vivemos, amamos, sofremos, fazemos o que o nosso coração manda, e não somente o que nos é ordenado, podemos também negar uma ordem sem sofrer graves conseqüências depois, ela se apaixonou pelos humanos.

- Ela se apaixonou por um humano?

- Não, ela relembrava tudo o que aquele anjinho da guarda lhe contava, e ela passou a ver com seus próprios olhos que ele não mentia. E seu coração despertou. Ela se apaixonou pelo anjo caído, o anjo que caiu por amor a ela.

- E o que ela fez mãe?

- Ela fugiu do paraíso. Largou sua auréola, suas asas, sua graça, ela deixou de ser um anjo e caiu no meio dos humanos.

- E ele? – perguntou curiosa.

- Ele soube depois de um tempo que ela havia deixado de ser anjo, e que estava na terra. Ele como estava em uma terra sem lei, não sofreu conseqüências por deixar esse mundo para encarnar na terra.

- Ela sofreu mãe?

- Vou chegar lá. Ela encarnou na terra, e viveu como qualquer ser humano. Porém ela ainda tinha características de quando era um anjo. Sempre preocupada mais com o próximo do que consigo, não conseguia desobedecer ordens de seus superiores, no caso dos humanos, os pais, professores, diretores, pessoas mais velhas e mais experientes.

- Ela sabia que era um anjo mamãe?

- Não, até recordar de sua vida em forma de sonho.

- Mãe, essa anjinha é a menina da história?

- Sim, ela havia sido um anjo.

- Então ela ficou triste por não ter encontrado o seu amor?

- Não, pelo contrário. Ela ficou triste por tê-lo encontrado.

- Não entendi. – disse confusa.

- Como ela recobrou a consciência de anjo, o anjo que andara sempre com ela quando ela se aproximava dos humanos. Se reaproximou.

- Ele queria que ela voltasse a ser um anjo, era por isso.

- Sim e não. Ele a queria de volta no céu, afinal, ele não se apaixonou como os outros dois pelos seres humanos, para ele, somos repugnantes. Porém... ele se apaixonou por ela. Por aquele anjo caído.

- O que???

- E com raiva, por ela ter largado o céu, e ele, a amaldiçoou.

- Anjos podem fazer isso mãe?

- Sim filha, eles tem controle pelos humanos quando querem.

- Mas o que aconteceu?

- Ela não queria contar para o anjo da guarda que caiu por amor, que ele havia sido um anjo, ela queria protegê-lo.

- Proteger ele do que?

- O anjo a amaldiçoou, porém, como a amava, não iria machucá-la fisicamente. Mas o que mais poderia machucar uma pessoa que ama?

- Machucar a pessoa amada?

- Sim, ou ter que se afastar. Essas coisas podem machucar muito mais do que qualquer tortura física.

- Que anjo mau!! – disse emburrada.

- Ele não compreende a totalidade dos sentimentos, conheceu poucos, amor, ódio e vingança.

- Você ainda o defende mãe? – disse incrédula.

- Não somos Deus para julgar meu amor. Voltando a história, esse rapaz, que ela se apaixonou, era o mesmo rapaz que outrora foi um anjo. E para protegê-lo, se afastou, negando seu sentimento.

- Tadinha mãe.

- Ele deve ter sofrido mais, por não saber o motivo dessa inesperada separação. Eles estavam bem, e como da noite pro dia ela muda, ela se torna ausente e fria. Porém ao mesmo tempo seus olhos ardiam na mesma intensidade de antes.

- Mas mãe, ao menos ele não sabia de toda essa história triste, ela sofreu em silencio.

- Sim, porém não conseguiu manter segredo por muito tempo. Ele descobriu, não se sabe como, ele relembrou tudo.

- E o que aconteceu mãe?

- Ele estava disposto a ficar ao lado dela, não importando a maldição. Mas ela se negava, chorava, e fingia não sentir nada.

- Mas por que mãe? O amor dela era fraco a ponto de não querer passar por uma maldição?

- Amor.

- Não entendi.

- Ela o amava tanto, que sofreria sozinha, carregaria a maldição sozinha.

- E qual era a maldição mãe?

- Se eles se aproximassem, o rapaz seria morto por uma doença, e pelo fato de estarem próximos, mesmo como amigos, ele já sofria conseqüências da maldição, se eles se aproximassem mais, o rapaz não resistiria. Para vê-lo vivo, ela se afastou. E carregou a maldição. Sozinha.

- E ele?

- Ele não pode estar perto de alguém que se afasta. Ele, apesar de relutante, atendeu a seu pedido. Sofre, e carrega a própria maldição, que é estar longe da pessoa amada.

- Mas mãe, ainda não entendi o motivo de você chorar sempre quando está com isso. – disse apontando o objeto nas mãos fechadas de sua mãe.

- Isso me faz lembrar o que o rapaz disse para a menina.

- E o que foi mãe?

- Ele pegou uma foto, de uma estrela cadente. E pediu para que a menina fizesse um pedido e assoprasse dentro da caixinha de fósforo.

- Ela achou um tanto estúpido fazer o pedido para uma foto. Porém quando ela olhou para a foto, de fato seu coração respondeu em forma de pedido, e assim ela o fez. Pediu, assoprou, fechou e guardou. O menino disse para ela abrir quando quisesse que seu pedido fosse atendido.

- Por isso da caixinha de fósforo mamãe?

- Sim.

- Mas e a...

- Sim, essa metade de concha? – disse mostrando a metade de uma pequena concha que estava repousando em sua mão. – Ele carregava uma concha com ele, uma concha achada em beira de praia, ela possuía um furo no meio, e ele fez da concha seu cordão. Certo dia, essa concha partiu, ficando uma metade ainda presa ao cordão, e a outra metade solta. Ele deu a outra metade para a menina, e pediu para que sempre que fosse a praia, carregar a concha com ela, pois a concha sentia saudades de seu lar. E para que ela soubesse que sempre será a outra metade dele.

- Mãe...

- Antes que pergunte, eu achei essa história muito bonita, por isso carrego essa concha que eu mesma parti e essa caixa de fósforo.

- Mãe, a maldição nunca termina?

- Sim filha, quando a menina completar trinta anos, a maldição termina.

- Então eles ainda podem ser felizes?

- Só Deus sabe, porém a menina não tinha muitas esperanças.

- Por que?

- O menino não conseguiria esperar por tanto tempo, a saudade o consumiria antes disso.

- Mas ele pode resistir mãe!

- Ele chegará perto, porém só dependerá dele resistir ou não. Afinal, ambos sabiam, isso inclui o anjo que amaldiçoou, o limite imposto para o corpo ao qual o menino estava destinado.

- Limite?

- Sim, ele era dois anos e pouco mais novo que ela. E seu limite de idade... era aos 27 anos.

- Então eles nunca ficarão juntos... – disse a menina derrubando lágrimas silenciosas.

- Você não acredita em milagre?

- Deveria?

- Você é um milagre meu amor... – agora vá dormir pois acorda cedo amanhã.

- Mãe?

- Oi?

- Obrigada por ter deixado de ser um anjo, assim eu pude nascer.

A mãe sorriu.

- Mãe...

- Fala meu anjo.

- Eu não sou um anjo – disse emburrada – eu sou humana!

Sorriu novamente – diz meu docinho.

- O papai é o menino?

- Meu amor, isso ... só Deus sabe.

- Mas...

- Bons sonhos filha, eu te amo!

- Também te amo.

Após a mãe sair do quarto, a menina sentou na cama, e pegou a caixinha de fósforo com a concha dentro, e reparou que sua mãe já havia aberto a caixinha com o pedido despejado...será que se realizou?

A menina dormiu pensando na história, e sonhou... com um anjo.